http://ercklopes.blogspot.com/

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Tentei matar Saddam, só lamento não ter conseguido´, ex-agente
Robert Baer trabalhou durante 21 anos como espião da CIA. Ele foi mobilizado para atuar em missões secretas no Líbano, Síria e Iraque. Baer defende assassinatos políticos se forem para evitar guerras.

              
Robert Baer, um dos mais experientes espiões que a CIA já teve no
Oriente Médio, acha que a inteligência americana está em escombros,
e que é mais do que possível que surpresas trágicas como os
atentados do 11 de Setembro e os bombardeios em Londres e Madri voltem
a ocorrer. Os tambores de guerra continuam tocando, afirma Baer, mas
não há ninguém para interpretar o que eles dizem - ninguém como
ele, um agente da velha-guarda habituado ao trabalho de campo, com
fontes em todo tipo de facção do mundo islâmico e que não hesite,
quando a ocasião exige, em sujar um pouco (ou mais do que um pouco) as
mãos. Baer é o modelo sobre o qual foi calcado o personagem de George
Clooney em Syriana, e é também a principal fonte do filme, em cartaz
no Brasil. Funcionário da CIA de 1976 a 1997, ele deixou a agência
com as relações severamente estremecidas. Vale, então, aventar a
hipótese de que suas opiniões estejam contaminadas pelo ressentimento
de quem dedicou duas décadas a uma causa e a um estilo de vida para
então perder ambos. Mas vale também a pena ouvir com atenção o que
Baer tem a dizer, pelo simples fato de que realmente existem poucas
pessoas, hoje, tão íntimas do tema quanto ele. "O que uma imagem de
satélite pode dizer sobre o que se passa na cabeça de um terrorista
da Al Qaeda?", disse a VEJA o ex-espião (que, ao contrário da maioria
esmagadora de seus colegas, é fluente em árabe e farsi).
Baer fala pelos cotovelos sobre as atividades da CIA, sobre como o
lobby do petróleo lava dinheiro para financiar campanhas, ou como as
grandes corporações vez por outra apertam o gatilho de um míssil
Hellfire. Sobre Syriana, ele diz que é sua chance de mostrar coisas
que nunca poderia dizer aos jornais. "É um filme, e portanto é tudo
ficção", diz ele, para logo emendar: "Mas alguma vez uma firma de
advocacia conspirou para assassinar um príncipe do Golfo Pérsico,
como em Syriana? Sim".

Baer não era arraia-miúda. No início de 1995, por exemplo, foi
encarregado de contatar oficiais iraquianos revoltosos e, junto com
eles, elaborar um plano para livrar - entenda-se aí o que for
necessário - o Iraque de Saddam Hussein. Em 1° de março, ele
recebeu uma contra-ordem: recuar. Com uma canetada, os agentes de Baer
no Iraque perderam a cobertura da CIA, foram expostos e, na maioria,
assassinados. Baer conseguiu retornar aos Estados Unidos - mas não a
salvo. Descobriu que estava sendo usado para isentar a CIA de
envolvimento numa conspiração contra um chefe de Estado. Se
condenado, pegaria prisão perpétua ou seria executado. Esse pesadelo,
de se ver no papel de bode expiatório, está retratado com
considerável fidelidade em Syriana.

Baer pertence a uma geração de agentes da CIA formada durante a
Guerra Fria, quando a agência tinha rédea solta. Com a derrocada do
socialismo, a CIA entrou em crise de identidade: como ficaria a
dinâmica da agência que tinha no bloco soviético sua maior razão de
existir? A crise foi agravada pela posição do presidente Bill Clinton
diante dela - ora de indiferença, ora de instauração de uma
mentalidade corporativa e politicamente correta. Hoje, no mundo pós-11
de setembro, a CIA passa por uma reconfiguração, sob a mão-de-ferro
de Donald Rumsfeld, secretário de Defesa do governo Bush, que poda a
autonomia da agência. De novo, os analistas acham que falta o básico:
gente de olhos e ouvidos abertos.

De dentro do barril de pólvora do Oriente Médio, Baer executou
operações como a que tentaria tirar a vida de Hussein, tomou
decisões que ele não descreve, mas que diz que resultaram na morte de
"dezenas, se não centenas" de pessoas, e cumpriu incontáveis vezes a
tarefa principal de um espião: aliciar informantes, sejam eles
militares, funcionários do governo, empresários, ativistas ou
terroristas. É a partir dessas pessoas que corre o fluxo fragmentado,
mas indispensável, da informação. Segundo Baer, porém, hoje a CIA
é uma organização apática, que minimiza a relevância do trabalho
de campo e deposita confiança exagerada na tecnologia.

Baer hoje se anuncia como diretor de documentários e acaba de concluir
uma filmagem sobre terroristas suicidas na Faixa de Gaza. Mas, segundo
Stephen Gaghan, o diretor e roteirista de Syriana, conviver com ele é
uma experiência surreal. "Bob chega, digamos, a Beirute e liga para o
número pessoal de um chefe de Estado, do presidente de uma
petrolífera ou do líder de uma organização clandestina. No dia
seguinte, ele está lá, almoçando ou andando de barco com eles, na
maior intimidade. Daí ele sai em férias, mas não vai para a praia.
Vai para Teerã ou para o Barein. Se um sujeito parece um espião, age
como um espião e fala como um espião, ei - então talvez ele ainda
seja um espião", arrisca Gaghan. Seria uma explicação plausível
para o fato de Baer ainda estar vivo ou, no mínimo, de posse de suas
cordas vocais - um fato que, na conversa com VEJA, ele atribuiu à
"sorte".

Sempre metido nos lugares mais poeirentos e voláteis do planeta, Baer
não teve a vida glamourosa de um James Bond. Teve, isso sim, uma vida
bem mais arriscada e exaustiva (e também viciante). Seu primeiro
casamento fracassou, e seus três filhos cresceram quase sem vê-lo.
Ele afirma, porém, não ter arrependimentos. "Pode soar ingênuo, mas
acredito que eu estava cumprindo meu dever patriótico. Nunca tomei uma
decisão imoral ou que não tivesse o respaldo de 500 páginas de
legislação. Nunca participei de torturas nem matei inocentes." Baer
jura, inclusive, que nunca perdeu uma noite de sono, e seus ex-colegas
contaram a mesma história a Stephen Gaghan. "Eles diziam que Bob é
capaz de estrangular um sujeito com as próprias mãos de dia e, de
noite, dormir como se nada tivesse acontecido. Mas, se você olhar bem
para ele, a impressão é outra: é de que ele não dorme há anos."

Fonte: Revista Veja

Nenhum comentário:

Postar um comentário